segunda-feira, 7 de outubro de 2013

"A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá
mas não pode medir seus encantos.
A ciência não pode calcular quantos cavalos de força existem
nos encantos de um sabiá.
Quem acumula muita informação perde o condão de
adivinhar: divinare.
Os sabiás divinam"


[Manoel de Barros]

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

saudade

quando faz tempo e a gente suspira.

[Fer]

terça-feira, 20 de agosto de 2013

sobre o contraditório

É difícil demais se esconder quando se é pequeno.
Em um ser pequeno tudo demais aparece.
O cansaço aparece.
O nariz aparece.
Tudo aparece.
O passarinho quando pia no ninho, mesmo que um piozinho, aparece.
E, se a mãe não vigia, o gavião também aparece.
É difícil demais se esconder quando se é pequeno.
O coração quando bate, sacode a blusa no peito.
E todo mundo vê.
E todo mundo sabe.
Porque é difícil demais se esconder quando se é pequeno.

[Fer]




domingo, 30 de junho de 2013

domingo


quando eu era criança certas palavras apareciam na minha cabeça como uma figura.
devo explicar que essas palavras não tinham objeto na vida real.
não era casa, sofá ou saia, entende?
era, por exemplo, sábado.
a que eu mais me recordo e que faz sentido até hoje (na minha cabeça).
sábado era uma bola preta bem escura.
eu não sei porquê.
os outros dias da semana apareciam como as próprias palavras escritas no ar.
mas tinha impressão que a terça era magra e que a quarta era gorda.
também não sei porquê.
mas, de fato, sábado ainda é uma bola preta, bem escura.

então, hoje, é domingo e a cara dele é bem misturada.
eu não gosto.
além de cara, domingo tem som: uma mistura da voz do faustão, com a chamada do fantástico e ônibus saindo da rodoviária.
eu não gosto.
vou tentar reprogramar minha mente para o domingo de hoje:
garoa e lasanha.
quentinho e poesia.
bem melhor.

[Fernanda]

sexta-feira, 28 de junho de 2013

e não há dúvida de que as palavras são os melhores presentes...



          Entalo poético (feito por Jéss, minha amiga flor)

Sentimentos imbuídos entalaram de palavras a moça... Eu poderia dizer que eles entalavam a moça de palavras, isso também faz sentido.
Ela tossia, tossia, e nada, até chegou a tomar um chá da vovó, mas as palavras na garganta da moça ficavam se empurrando e se ajeitando em várias filas, confusas em saber qual sairia dela primeiro. Deveriam talvez ser as palavras com gosto de trabalho café, mas as de chocolate com os amigos teimavam em sair primeiro, só por serem mais doces e alegres achavam que ficariam sempre mais bonitas em uma poesia, mas as palavras de café sem açúcar diziam que “não,  vida não é feita só de doces, ela precisa falar das coisas amargas para desengasgar” e as palavras de tamarindo concordavam ouriçadas e altivas, pois os azedos estavam desejosos em sair lá de dentro e serem misturadas à doce essência daquela moça para moldarem-se em uma rima poética.
Eis que o sol despontou mais uma vez no mar, e como toda a passarada acorda festejante de raios amarelos, o sanhassu morador do coração da moça não foi diferente, sacudiu suas peninhas azuis acinzentadas e pôs- se a cantar e bicar palavras. As apavoradas palavras não discutiram mais nada e misturancorrendo, doce com amargo e amargo com azedo e cítrico com açucarado saíram depressinha do coração da moça até suas mãos delicadas.
Assim nasceu no dia um prato de palavras bem casadas. Viva os noivos! Viva o padrinho sanhassu rei da passarada!

Jéss.

terça-feira, 19 de março de 2013

as gotinhas

como soldadinhos, elas batem seus pés no telhado:
tum-tum tum-tum tum-tum tum-tum
e cutucam os passarinhos nos galhos escondidos
pedindo a eles que soltem seus bicos!

e canta o sabiá e o joão de barro, 
o bem-te-vi e o coleirinho,
quem de perto vê,
nota o balançar dos 'ombrinhos'.

e canta a chaleira na casa - 
e canta a mãe de mansinho
da janela as gotinhas espiam:
café, pão e bolinho.

e vão saindo os soldadinhos,
vão deixando de dançar.
lá fora o céu vai abrindo
pra cada gotinha voltar.

[Fernanda]


*tirinha Enriqueta e Fellini do Liniers

segunda-feira, 4 de março de 2013

presentinho do dia

O menino que carregava água na peneira
Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira era o mesmo que roubar um vento e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos. A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores e até infinitos.
Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito porque gostava de carregar água na peneira.
Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu que era capaz de ser noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios com as suas peraltagens e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos.
Manoel de Barros

obs.: valeu Jéss!