terça-feira, 19 de março de 2013

as gotinhas

como soldadinhos, elas batem seus pés no telhado:
tum-tum tum-tum tum-tum tum-tum
e cutucam os passarinhos nos galhos escondidos
pedindo a eles que soltem seus bicos!

e canta o sabiá e o joão de barro, 
o bem-te-vi e o coleirinho,
quem de perto vê,
nota o balançar dos 'ombrinhos'.

e canta a chaleira na casa - 
e canta a mãe de mansinho
da janela as gotinhas espiam:
café, pão e bolinho.

e vão saindo os soldadinhos,
vão deixando de dançar.
lá fora o céu vai abrindo
pra cada gotinha voltar.

[Fernanda]


*tirinha Enriqueta e Fellini do Liniers

segunda-feira, 4 de março de 2013

presentinho do dia

O menino que carregava água na peneira
Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira era o mesmo que roubar um vento e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos. A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores e até infinitos.
Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito porque gostava de carregar água na peneira.
Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu que era capaz de ser noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios com as suas peraltagens e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos.
Manoel de Barros

obs.: valeu Jéss!