quarta-feira, 22 de outubro de 2014

sobre o contentamento

para mim o contentamento está em coisas difíceis de serem feitas:
é preciso muitas árvores, mangueiras altas, de copas volumosas;
é preciso garapeiras quase desnudas de folhas, mas de troncos fortes
duas a três jabuticabeiras sardentas, de olhinhos nascidos no verão
um gramadinho com matinhos altos, onde se escondem os sabiás dos gatos
quando no terreno querem catar bichinhos rasteiros;
e, claramente, serão necessários muitos bichinhos rasteiros para a sorte de passarinhos que compõe o contentamento.
e é preciso se ter uma casinha no meio do contentamento.
e que esta casinha seja feita de barro à moda do joão,
que dentro dela haja sofás de tecido macio pra deitar
e que na janela baixa do quarto, não se tenha perigo de sentar.
é preciso também que gatos e cachorros tenham acesso à casinha: de dia ou de noite,
pois são parte da família.
e a família compõe parte grande do contentamento,
pois, nele, é preciso também esquisitices da natureza humana.
para mim o contentamento está em coisas difíceis de serem feitas:
pois não conheço quem saiba construir árvores, gatos e passarinhos e nem as frutas das árvores.
por isso, penso eu, ser o contentamento a parte que nos cabe deixar crescer.

eu aprecio todos os dias o crescimento do meu espaço de contentamento no mundo,
e, por não saber fazê-lo, admiro Deus e tiro fotos.

[Fernanda]




















* Obrigada meu querido Manoel de Barros pela inspiração de "para compor um tratado sobre passarinhos(...)". Manoel de Barros, que também é parte grande do meu contentamento.
** Na foto, Petit, o campo e o lírio. 



segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Le fabuleux destin



Fernanda gosta de cheiro de café, pão e manteiga as cinco da tarde
e gosta do tímido som de gato pulando sobre a cama de madrugada.

Ela não gosta de andar descalça em chão gelado, molhado ou grudentinho
e também odeia pés ressecados nas meias.

[Fernanda]


PS.: Amelie gosta: de ir ao cinema e olhar para trás no escuro para observar o rosto dos outros; procurar detalhes nos filmes que ninguém vê; enfiar a mão bem fundo no saco de cereais; quebrar a casquinha do creme brulée com uma colher e jogar pedras no canal Saint Martin.
Amelie não gosta: de quando os motoristas dos filmes não olham para a estrada.

[o fabuloso destino de Amelie Poulain]