sábado, 11 de dezembro de 2010

cheirei alguns livros novos até uma descoberta: Caligrafias de Adriana Lisboa. agora a noite estava linda e pela janela via o vento sem preconceitos tocar um velho pano sujo no varal. acordei hoje com o Pasquale me perguntando qual era a minha palavra preferida e ouvindo a palavra preferida dos outros. paciência - aleatório - condor - verdade - sexo - foram algumas das que Pasquale e eu ouvimos as pessoas responderem. a da minha mãe é abraço. a minha é saudade. à tarde, fui a livraria e descobri Caligrafias e, na página 41, Saudade. Achei, por bem, levá-lo para casa.
[Fernanda]

sábado, 2 de outubro de 2010

meu benzinho

meu benzinho cuida de mim como uma criança,
que eu sou.

meu benzinho me traz flores com joaninha, de quebra.
porque ele também me traz sorte sem querer.

meu benzinho tem a cor daqueles por quem o sol se apaixona
e é o sol quem colore a barba dele com tons avermelhados.

meu benzinho tem os olhos rasgados
e eu digo que são como olhos de baleia que guardam os mistérios do mar.

o meu benzinho cuida de mim e quer me guardar
e ele sempre me diz que me protege do mal do mundo.

[ele, que conhece tanto do mundo]

meu benzinho que Deus me deu,
veja que eu te protejo também.
veja que eu só lhe quero bem

e releve a minha "brabeza",
é que sou arredia como sabiá que só andou presa.

e meu benzinho-mais-benzinho-do-mundo-inteiro...
foi agorinha que fui lembrar
que eu bicava a mão morena que tentava me soltar.


[Fernanda]



segunda-feira, 23 de agosto de 2010

um pouco do que penso sobre:

amizade
é querer estar junto pra fazer contas de como anda a vida. e, separados, pensam como seria lhe contar a vida. e, mais separados, pensam em como estaria a tal vida. e, flutuantes, ausentes num espaço sem fim, choram a saudade por causa do rio sem a ponte. mas, se um dia ligados, como corações de novelo de lã, falarão do livro lido ontem, de como seus cachorros são especiais, falarão da mãe e do pai, falarão da clarice, do chico, da mallu, dos infernais.
até briguem, quem sabe?
tudo como se o tempo sem a ponte fosse ontem.

[Fernanda]

domingo, 1 de agosto de 2010

la vie [2]

amelie, a menina da caixinha dos seis sonhos inoxidáveis, lembra? e a caixinha cresceu um pouco porque os sonhos aumentaram. ela que diminuiu um pouco para também caber na caixinha. agora, aí está ela. olhando a estrada como quem espera. é que no meio do caminho o peito dela se encheu de ar e não saiu num suspiro. ele está lá, deixando o pequeno peito inflado, como de uma passarinha. e ela está esperando pra ver se ele sai na forma de suspiro. e as pernas pequenas com saudades do sol reclamam impacientes. as mãozinhas cruzadas sobre o peito repousam pacientes. até que o suspiro sai. e volta. sai. e volta. sai. e volta. - peito de passarinha, meu Deus? - peito de passarinha, amelie! e foi, então, as asas, o céu, a malinha e os sonhos.

[Fernanda]

sexta-feira, 23 de julho de 2010

um sonho quase vagabundo

Com doze anos, ela tinha uma máquina de escrever, uma bicicleta pesada do pai e uma imaginação que só Deus sabe.
a máquina era uma nave espacial de onde saiu seu primeiro romance mirabolante.
a bicicleta, um cavalo galopante.
e a menina aí do lado era ela e seu futuro brilhante.

[Fernanda]

domingo, 4 de julho de 2010

ela, pequenina demais para se esconder?
um filhotinho ainda, de asas peladas, de bico aberto,
barulhento, agitado, num ninho quentinho tão fora do mundo...
lá no alto de uma árvore densa
de onde ninguém a distingue no meio de tantos cantos roucos.

[...]pobre filhotinho esfomeado de olhos rasgados pousados no céu [...]

sexta-feira, 28 de maio de 2010


a chave

encontrei-a ao abrir a gaveta
era dourada, antiga, bonita
- parecida com a que vi na mão da Alice
[a do país das maravilhas]

não era minha
mas acho também que não era de ninguém

e, no meio de tantas coisas sem sentido
ela parecia a única com sentido

o sentido de pertencer a uma porta de um lugar qualquer
[que não era aquele lugar]

e eu imaginei de onde aquela chave - bonita, dourada, antiga,
com um pequeno formato de coração [juro]- viera

e eu quis carregá-la comigo
dar-lhe um nome bonito
chamá-la minha e colocá-la no meio de outras relíquias

eu teria feito isso (se a visse triste)
mas ela brilhava dourada, bonita, antiga
no seu fabuloso destino de chave - o de pertencer.

[Fernanda - 27/05/2010 18:37)

domingo, 11 de abril de 2010

eu, o vagalume e a gaita.

ela foi minha companheira durante a noite.
ela e ele.
eu puxava o ar de dentro dela
e deixava livre todos os meus suspiros.
e o que era saudade, amor,
ela transformava, decodificava naquele solitário som que invadia o quarto escuro.
ele, meu companheiro de sempre: o vagalume do meu quarto, do quarto do meu irmão, da cozinha;
ele sempre lá.
e agora, ele fluorescia mais ao som de minha nova companheira não imaginária.
estávamos os três, tão unidos em algo invisível, tão amantes e queridos que,
novamente, eu acendi a luz, peguei minha máquina de escrever,
bebi o café com espuma de minha mãe
e vim aqui deixar a febre do dia.
um dia de amizade: eu, o vagalume e a gaita.
[Fernanda]

quarta-feira, 31 de março de 2010

Um soneto, Chico?

" Por que me descobriste no abandono
Com que tortura me arrancaste um beijo
Por que me incendiaste de desejo
Quando eu estava bem, morta de sono

Com que mentira abriste meu segredo
De que romance antigo me roubaste
Com que raio de luz me iluminaste
Quando eu estava bem, morta de medo

Por que não me deixaste adormecida
E me indicaste o mar, com que navio
E me deixaste só, com que saída

Por que desceste ao meu porão sombrio
Com que direito me ensinaste a vida
Quando eu estava bem, morta de frio "

[Soneto, Chico Buarque]

terça-feira, 9 de março de 2010

um sonho bom



havia um sonho nela quando menina.
durante as tardes, sozinha com a mãe,
sentada no chão, ela pensava:
é subir no sofá, bater os braços bem rapidinho mesmo
e voar.
nada daquela coisa de capas e super heróis.
fernandinha acreditava mesmo nos passarinhos.
e se depressa se encontrava no chão,
ela voltava:
sofá, pular, bater os braços rapidinho
sofá, pular, bater os braços rapidinho
sofá, pular, bater os braços rapidinho
(...)
e me vem o riso lembrando dela dizendo à mãe:
tem que bater o braço mais rapidinho pra voar que nem passarinho.

[Fernanda]

domingo, 28 de fevereiro de 2010

um pensamento pela manhã


então, os passos dele são reconhecidos por mim desde a hora que a porta abre, mesmo sendo uma porta de vários.
e, num instante súbito de vários pensamentos encontrados, eu sinto falta, amor, dor, sede...invadindo-me todos estes até que aquele som ritmado cesse à altura de minha sombra e curva teu corpo sobre o meu e beija-me os ombros.
e, num instante súbito de vários pensamentos encontrados, eu me sinto sua, irremediavelmente sua, indivisivelmente sua.
[Fernanda - 24/02/2010]
*no desenho, Mallu e Camelo.