domingo, 28 de dezembro de 2008

1987, 29 de dezembro


Tocam teus pés o mundo e
não cabem nele.
Na tua dispersão, o desassossego
do astro que se cansou da órbita.

E há nos teus olhos essa fuga,
que te empurra daqui, lambendo teus pés a estrada.
E na altura que te chama,
não te responde o horizonte.

Segue a sentença de um viver bom
e livre.
E a altura é análoga a isso.
E o vento é análogo a isso,
e o céu, a chuva
e o mar que veste a vista.

Cores,
cheiros,
sons,
texturas
esperam teus sentidos.

E tua essência é asa aberta,
inflado peito e longe.
E tua essência é asa aberta,
inflado peito e longe...
[Fer]

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

como um postal


quero um dia do tamanho exato das minhas perguntas, do tamanho exato da correspondência de um amor puro e louco em essência. um dia comprido como as nuvens que se estendem quando varridas. do tamanho dos meus sonhos de infância. um dia de sessão da tarde com Mathew Broderick. um dia bom pra brincar. que caiba nescau e biscoitos Maria . que caiba chuva e banho de chuva, sol e arco-íris e filhotes de cachorro. um postal, bom, feliz e espontâneo, que lembre o outono de quando nasci.
[Fernanda]

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Ao que passava,


Eu sei, você não me conhece.
Permita-me chamar-lhe Álvaro
[meu heterônimo favorito de Pessoa]
Permita-me que faça-lhe um convite
Pode sentar aqui um pouquinho?

Prometo ser breve como sua passagem
Não, não diga nada.
Nunca ouvi sua voz e temo por ela.
Gosto de vê-lo mudo.
Sua imagem foi criada assim.

Permita-me ser direta
e despretensiosa.
Senão pelo propósito de que saiba:
admiro sua passagem
e seus olhos...

Seus olhos são como obscuros e simples
e sérios.
Gosto deles.

Não peço nada, além de que me escute.
Nada ofereço e nem venho buscar.
Ah, passageiro!
Se soubesse que por seus olhos dei a você um codinome!

Não, eu não gosto de você,
Não romanticamente
e tampouco platonicamente.
Não o conheço
Não se gosta do que não se conhece,
não é?

Não é uma pergunta.

Agora, passageiro, estou de partida
[só parece melancolia, mas não é]
É simples,
para que você saiba:

Que seus olhos, passageiro, me fizeram bem.
E que sim, eu não o conheço
Será sempre “aquele que passava”

Que seus olhos, passageiro, me fizeram bem
e que eu não o conheço,
mas sonhei contigo e, no meu sonho, você falava


Que seus olhos, passageiro, me fizeram bem
e que eu não o conheço,
mas acho que sentirei saudades...

E a gente pode sentir saudades do que não conhece?
Eu me perguntei.



[Fernanda]

sábado, 20 de dezembro de 2008

Li


Li não tem grandes histórias
Senão as pacientemente criadas por ela
Na claridade ou na escuridão do quarto
De olhos fechados ou abertos
No banco alto do ônibus
Ou numa conversa com uma extensão dela

Li não chama atenção
Senão pelos seus olhos grandes
Senão pelo seu deboche
Senão pelo que não é

Ou pelo que é e não se apresentara a ela

Li é feliz sem saber
é triste como queria
Acho que Li acha beleza na tristeza
Li gosta de cinza
E de garotos marginais

Li gosta muito da beleza
Daquela que não está onde colocaram
Daquela foto amarela
Daquela jaqueta desbotada com o tênis vermelho
E sobretudo, Li gosta de olhos

Não os azuis, ou verdes, ou mel
mas os que são como dispersos, mas além
e gosta do cheiro das coisas
e não precisa ser de flores ou boticários
mas tudo que seja misturado
caixa de papelão, abraço, souza paiol,
importado, café, quarto fechado, poeira,
sabonete, madeira, filhotes de cachorro...

E Li gosta de músicas
Mas nada que dure tempo suficiente
Para ser colocado na lista de preferidos
Por isso gosta dos filmes, sua única lista.

Li é demasiadamente passageira
E odeia demasias,
Odeia clichês, mas sabe que funcionam.

Li mora numa bolha e sabe que é melhor morar lá.
Li sabe que o mundo é grande demais.
E tudo que é grande demais, a visão perde.
E Li adora o que seus olhos alcançam.
Por isso, Li adora sua bolha.
[Fernanda]

Abraço de mãe, cheiro de café, pão e manteiga


Acordei quando deu uma hora da tarde. Não havia despertador. Não havia ruídos.
O corpo decidiu pela exatidão da uma hora da tarde. Naquele suspiro prolongado, entre o pensar e agir, senti então o cheiro de café, pão e manteiga. Lembrei da reportagem de neurociências que dizia que tínhamos que acordar com cheiros diferentes de vez em quando para estimular o cérebro. Sugeriam cheiro de baunilha. Se dependesse dessa constatação interessante, meu cérebro poderia ser chamado de sedentário pelos cérebros malhados. Mas eu, com toda certeza, ia preferir cheiro de café, pão e manteiga sempre. Mas era uma da tarde. Por que o cheiro? Olhei meu relógio de pulso (que já forma um só com o meu pulso) e vi que nesse lenga-lenga já tinham se passado 3 minutos. Engoli em seco (isso é quase um ritual do acordar). Decidi me arrastar da cama, abri a porta do quarto e aquela luz forte do sol me bateu de cheio. Nada melhor, pra quem sofre de enxaqueca, receber essa saudação do sol (como diria uma amiga da yoga). Não, não passei no banheiro e não lavei o rosto. Uma hora da tarde: cheiro de café, pão e manteiga? Dei aquele abraço por trás, gostoso como poucas coisas:
oi bebê...achei que já tava na hora de acordar.
aham
(odeio falar quando acordo) .
dormiu q horas?
umas três...por que fez café agora? Tem alguém aí?
[Sorriso] Sei q vc odeia ser acordada, mas jah são mais de uma hora...
Sei...Cheiro de café, pão e manteiga?
Essa história "matinal" me fez lembrar do amor e do cuidado. E também que certas coisas são pra sempre especiais como o abraço de mãe, o cheiro de café, pão e manteiga.
[Fernanda]

domingo, 14 de dezembro de 2008

PS.: Via expressa


Tragam-me as sensações.
Mas tragam-nas simples
Sem grandes devaneios e espetáculos
Tragam-nas puras
Tragam-nas azuis
Tragam-nas sem peso e sem rodeios
Tragam-me de volta as sensações
Mas tragam-nas fortes (tudo isso e fortaleza)
Tragam-nas inevitáveis
Não voláteis, não febris, não efêmeras
Tragam-me as sensações
Tragam-nas todas juntas, misturadas
Em embalagem lacrada
Da altura da minha gaveta.
Por aí, carregando todas, saírei
Ao redor de mim, por mim
Nos meus pés, nos meus olhos,
Nas minhas orelhas, na boca
Cintura, ombro, nos cabelos...
Tragam-me as sensações todas
simples
puras
azuis
inevitáveis
misturadas
lacradas
todas.
[Fernanda]

domingo, 7 de dezembro de 2008

Desejos para uma vida além


Diziam-me dela:
vai ser o que quiser na vida.
é que os ditadores dessas fábulas
também tolheram-na. Estranho.

Escolha uma caixa então, ele a disse.
A caixa metálica cabia meia dúzia de sonhos inoxidáveis.
Ela olhou para mim, naquele gesto de quem duvida do mundo,
Deu um sorriso lento, num olhar queimado de quem já não sabe sofrer,
Ou sentir, ou reagir.
Olhou para caixa, olhou para mim.
Seis sonhos inoxidáveis, Amelie. Escolha o que quiser.

Naquele olhar vago, preso na gravura da caixinha,
Enquanto seus dedos a tocavam longe de estarem ali.
Amelie?

Na varanda da casa de madeira: uma rede,
um menino de cabelos cacheados,
cheiro de café, pão e manteiga,
livros, e que não me falte o cheiro dele, e ele.
[Fernanda]

Lições de uma caneta


A exatidão da caneta e o diâmetro certo da sua escrita me constrangem.
Então, eu fui ter com ela sobre como ser constante em qualquer papel.
Ela: E o que há de tão interessante nisso?
Eu: Eu poderia começar dizendo: establilidade.
Ela: Mesmice. Você quis dizer mesmice.
Eu: Não, caneta. Eu quis dizer estabilidade.
Ela: Isso depende de quem me guia. Nunca viu traços trêmulos?
Eu: Ok, caneta. Posso te chamar de Bic?
Ela: Não. Gosto de Caneta. Essa coisa de sobrenome é muito americanizada.
Eu: Tah. Caneta.
Ela: Melhor.
Eu: Então, caneta, você anda por aí ficando vermelha, preta, roxa ou é sempre assim: azul?
Ela: Não se muda a cor de uma caneta.
Eu: Ahh. Constância.
Ela: Mas você nunca me viu falhar? E o que me diz da sua última prova de química bicolor? rs
Eu: Ok, Caneta. Eu jah te vi falhar. Mas por acaso, você anda por aí querendo ser papel, janela, mudando o que você é a cada segundo?
Ela: E você nunca me viu prendendo seu cabelo, servindo de apoio estratégico de tripé...?
Eu: Hum.
Ela: Hum o quê?
Eu: Você vai me rebater todas. Sua tinta não acaba?
Ela: Não se engane, Fer, a de todas nós acaba.
Eu: Você me chamou de quê? É mesmo uma caneta?
[Fernanda]

sábado, 6 de dezembro de 2008

Vai um controle aí?


O meu problema e o da humanidade é esse excesso de humanidade.
A humanidade pura e simples, o que nos torna sapiens.
O meu problema e o da humanidade é a essa humanidade: esse exagero de todas as coisas, esse querer demasiadamente, essa vontade louca pelo novo, é o inconformismo com os passos naturais de uma evolução, é o imediatismo.
O meu problema e o da humanidade é essa insatisfação, é essa condição que não se alcança, é a intolerância.
O meu problema e o da humanidade é a falta de imunidade.


[Fernanda]

Passageiro

Naquela manhã, ao sentir os olhos pesados e ficar assistindo à passagem dos carros, me lembrei do efêmero.
De madrugada havia relutado em ir para cama e, agora, o que eu não daria por uma, nem precisava ser a minha. Podia ser uma, aqui mesmo no ponto. Pensei e anotei: cama no ponto.
Passou um cara por mim e deu bom dia. Não respondi. Mania de achar que cumprimento assim, de quem não conheço, é cantada. Bons modos também são passageiros. Mas, na dúvida, seria melhor cumprimentar.
Agora, dentro do ônibus, finalmente. Sim, finalmente todos passageiros. Há uma moça ao celular discutindo a relação com o namorado sob os ouvidos atentos dos outros. Ela podia fechar esse meu texto mental, quando disse: "Então amor, eu te entendo hoje, só não sei até quando." Arqueei a sobrancelha naquele gesto instintivo de "interessante" e pensei que o passageiro também se anuncia.
"(...)Tutto cambia, il tempo tutto nel mondo (...)" cantei pra mim mesma. A paciência, a beleza, o colorido, o preto e branco, a dor, o sono...
Alguma nova conclusão?
Algumas coisas voltam. Vão e voltam. É constante na inconstância.
E o que fica é outra história e eu não tô afim de falar disso agora. Tá na hora de descer.

[Fernanda]