terça-feira, 28 de agosto de 2012

uma outra saudade: minha máquina de escrever


É uma pena não me lembrar da data em que ganhei minha máquina de escrever. É mesmo uma pena não tê-la dado um aniversário.  E gostaria disso porque escrever, sentindo as letras serem, assim, cravadas no papel, me faz pensar no sentimento bom de lançá-las, como flechas que se agarram ao alvo. Sim, lançá-las, golpear a pauta e poder tocar a marca do outro lado. Coisas assim perdidas com esse teclado macio, de tecnologia macia e de tela líquida. Não há aqui um desapego do moderno. Não. Sinto só não poder resgatar o dia exato em que minha mão pode tocá-la pela primeira vez – minha máquina vermelha, de segunda mão, cuidadosamente vindo à garupa do meu pai, em bolsa preta tão perfeitamente encaixada a ela - à minha, à minha, à minha máquina de escrever. Vinda de outras mãos que a deixou livre para as minhas. Eu escrevi meu nome: primeiro preto, depois vermelho . Queria eu sair datilografando como exímia datilografista, mas meus dedos lentos só sabiam namorar cada teclinha daquela, que por, muitas vezes, engoliram os pobres arrancando-lhes a cutícula. E eu soube, com minha máquina, que libertar as palavras e cravá-las no papel era difícil e, por vezes, até dolorido, mas nada poderia me fazer mais leve do que soltá-las assim, reverberando no seu estalar ansioso, um amor, uma nostalgia, um trabalho bem feito, ou mesmo só um nome, ora vermelho, ora preto.

[Fernanda]


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